domingo, 21 de junho de 2009

Ponto de vista

Joana estava entediada. Mais um sábado à noite sozinha em casa, agora que as amigas todas estavam namorando. Droga de namorados. Talvez ela devesse arrumar um namorado também, era bem verdade que ela queria um. Mas... Enquanto o namorado não aparecia, ela precisava achar alguma coisa para fazer.

Nada na TV... Nenhum filme bom passando... Nenhuma amiga disponível, isso era certo... Que preguiça...

E então Joana se lembrou de quando era mais nova e fazia aquelas festas do pijama regadas a pipoca e brigadeiros com as amigas e de como era engraçado ficar ligando pras pessoas, algumas conhecidas, outras nem tanto, e passar trotes. Nada demais, só bobeira.

Abriu o jornal e pegou alguém dos classificados. Pedro. Aparentemente, o Pedro estava querendo vender equipamento esportivo. Devia ser novo, perfeito. Pegou o telefone e discou.

Atenderam.

- Oi, amor! - ela não perdeu tempo.

- Quem é? – merda, era uma mulher do outro lado.

Ok, talvez ela já tivesse passado da idade de fazer essas coisas...




Pedro já namorava Marina há 3 anos e sabia que era a hora de se comprometer. Ela sempre dizia que alguma hora ele teria de crescer, parar de se embrenhar em tantos lugares perigosos e botar sua vida em risco com aqueles esportes radicais. Ele gostava da adrenalina, mas gostava muito mais dela.

Foi por isso que ele resolveu colocar seus equipamentos à venda e comprar um anel pra ela. Já até sabia que anel, ela havia gostado dele numa vitrine há um tempo. Estava tudo planejado, decidiu até o que fazer com o que sobrasse do dinheiro, o investimento. Tudo perfeito.

Naquele sábado, Pedro ia começar a preparar o terreno para o pedido. Queria que Marina soubesse o quanto a amava todos os dias, que ela entendesse o quanto era importante. Preparou um jantar romântico e comprou ingressos pro show da sua cantora favorita. Faltava pouco. Mais algumas vendas e ele já estaria com tudo acertado.

Marina chegou antes da hora, ele ainda terminava de preparar a comida quando a campainha tocou. Tudo bem, ele só precisava tomar um banho, botar uma roupa bonita, o perfume favorito dela...

Enquanto estava no chuveiro, o telefone tocou.

- Amor, atende pra mim?




Marina entrou no táxi para ir pra casa do namorado. Eles já estavam juntos há 3 anos e ela sabia que o relacionamento não tinha futuro. Pedro era legal, eles se davam bem, mas eles eram também muito diferentes.

Ela sempre quis estudar fora, fazer uma pós, morar um tempo na Europa, conhecer cidades diferentes, museus, História, tanta coisa para ser descoberta. Mas Pedro só queria saber de escalar montanhas, descer rios, fazer trilhas, se arrebentar de moto, quebrar a perna jogando rugby.

Na verdade, ela estava cansada. É claro que ela não queria alguém igual a ela, seu ex, Gabriel, gostava das mesmas coisas, pensava praticamente do mesmo jeito e não tinha opinião própria. Como aquilo era irritante.

Uma das principais razões para ela ter se apaixonado por Pedro era sua espontaneidade. Mas não dava pra tudo ser assim. Ele não fazia planos, ele não gostava de nada do que ela gostava e ela definitivamente não gostava das mesmas coisas que ele.

Depois de tanto tempo juntos, ela já havia se acostumado. Eles tinham dificuldade de se ver tempo suficiente até para discutir a relação, e ele estava sempre cansado demais até para brigar. Ela sabia que as coisas não estavam bem e ela precisava tomar alguma providência. Assim que a oportunidade surgisse...

Ela tocou a campainha. Ainda estava cedo demais, ele tinha marcado o jantar às 20, ainda eram 19:30, mas ela estava muito angustiada para ficar em casa mais um minuto sequer. Pedro atendeu a porta ainda de pijama, com um pouco de molho no rosto e no cabelo. O jantar já estava pronto, ele garantiu, mas ele precisava de um banho.

Enquanto esperava ele ficar pronto, o telefone tocou. Marina odiava atender o telefone dele, mesmo depois de tanto tempo, mas o fez porque ele pediu.

- Oi, amor!

- Quem é?

A mulher do outro lado do telefone desligou na sua cara e ela queria jogar o aparelho na parede de tanto ódio.

- Quem era? – perguntou Pedro enquanto enxugava o cabelo.

- Alguma vadia que parecia conhecer você muito bem.

- Hein?

- Eu atendi o telefone e uma mulher disse “oi, amor” antes mesmo de eu dizer alô.

- Deve ter sido engano.

- Claro, engano. Deve ter sido por isso que ela desligou assim que eu perguntei quem era. Pedro, eu tenho cara de palhaça?

- Claro que não, Marina, mas eu também não sei quem era que estava ligando, olha só, eu nem conheço esse telefone. Só pode ter sido engano. De repente foi até algum amigo meu querendo me sacanear, sei lá.

- Chega, Pedro. Cansei dessa merda. Eu queria conversar com você antes, mas também não vou ser tratada desse jeito. Depois de 3 anos, eu achava que merecia algum respeito.

- Marina?!

Ela bateu a porta ao sair do apartamento de Pedro pela última vez. Ela sabia que ele era irresponsável, mas jamais imaginaria que ele fosse capaz de traição.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Da simplicidade das coisas

Ela recebeu seu poema. Mais um de tantos. A verdade sobre seus poemas é que ela não os entendia. Sempre a faziam lembrar das aulas de literatura na escola, da professora mostrando poemas para interpretação de texto. Eles eram curtos, eram simples. Embora ela também não os entendesse. Nunca se deu bem com essa coisa de subjetividade, de entender uma coisa onde parecia estar escrita outra.

Ela acreditava em ser direta.

E lá estava o novo poema. Talvez fosse sobre amor, talvez fosse sobre outra coisa. Complicado esse negócio de subjetividade. Esquisito ler aquelas frases longas, com tantas vírgulas e apostos – sim, ela sabia o que eram apostos – e adjetivos e advérbios e exageros. Frases intermináveis, que pareciam dar voltas ao redor de si mesmas, como correndo atrás dos próprios rabos, sem chegar a lugar nenhum.

Todas tão cheias de sentimento, um que quase nunca parecia algo bom, que nunca a fez sentir-se bem ao ler. Talvez não fosse um poema de amor. Talvez fosse sobre perda. Talvez fosse realmente triste.

Era pior do que não entendê-los, seus poemas a faziam sentir-se burra. Como se devesse saber o que ele queria dizer, se não por saber ler, porque ela o conhecia. Mas ela não entendia. Ela se perdia na segunda frase, perdia o interesse e sentia-se mal. Sentia-se culpada. Ela deveria saber...

E lá estava seu novo poema, tão enigmático quanto os outros, rodopiando com seus conceitos rocambolescos, e ela mais uma vez no meio do labirinto.

Então ela desistiu de entender. Decidiu que não era problema dela não entender.

O problema era dele, por não saber como dizer.