quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Um dia ruim

- Flávia?

- Aqui.

- Aqui onde?

- Aqui. No quarto.

- O que você tá fazendo no quarto, mulher?

- Ai, Bernardo...

- E por que você tá no escuro?

- Ai, não acende a luz, merda.

- Você tá de chapéu?

- Sim.

- Maquiada?

- Sim.

- Enrolada no cobertor numa temperatura de 30 graus.

- O ar tá ligado.

- Não, não tá.

- Deve ter parado de funcionar.

- Você tá bêbada?

- Não. Talvez.

- Tá.

- Ok. Tô.

- Cara, o que você tá fazendo?

- Nesse momento, conversando com você.

- Ai, meu caralho. Estamos literais, né? O que você tava fazendo maquiada, de chapéu, embrulhada no cobertor, no escuro, com o computador no colo?

- Vendo fotos de bichinhos.

- Oi?

- De chapéu.

- Hum.

- Pois é, eu quis entrar no espírito.

- Flávia, me explica?

- Ai, é tanta coisa.

- Resume.

- Você viu aquela camiseta ridícula? Então. Eu tava falando dela, comentando como era sexista, daí o pessoal começou a falar que a gente sempre fez propaganda do Brasil desse jeito, vendeu o país assim, agora tem que pagar o preço. Eu adoro quando as pessoas mudam o foco pra desmerecer o assunto, sabe? GENTE UM PORQUINHO DA ÍNDIA COM UMA BOINA.

- Flávia!

- Desculpa. Daí deu uma merda no trabalho. E depois aconteceu uma coisa incrível. E eu queria chorar. Primeiro de chateação, depois de felicidade. Mas mulher de batom vermelho não chora.

- Que?

- É. Não chora.

- O que tem o batom vermelho?

- Ah, uns caras ridículos me cantaram por causa do batom. Ficaram fazendo comentários indecentes porque meu batom era vermelho. E um amigo disse que eu tinha que acostumar porque era assim, se quisesse usar batom vermelho tinha que aguentar chamar atenção.

- Que amigo?

- Nem é amigo, é colega.

- Quem?

- Tanto faz. Idiota.

- Eu?

- Ele, porra.

- Continua.

- Ah, já esqueci. É tanta merda, sabe? Daí eu vim pra casa. E fiz um drink. Acabou o drink. Abri uma cerveja. Acabou a cerveja. Fui jogar. Daí o jogo é daqueles que você joga online, sabe? E eu lembrei que era daqueles colaborativos. E pensa num dia merda pra depender de gente? Pois é. Desliguei o jogo. Tô vendo bichinhos no Tumblr.

- Bichinhos de chapéu.

- Ééééééé. Olha!!!!

- Um poodle de chapéu.

- SIIIIIIIIIIIM!

- Meu amor, eu posso fazer alguma coisa por você?

- Pode. Pode muito.

- Você quer um abraço? Quer ficar de conchinha? Quer um cafuné?

- Não. Traz mais cerveja?

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Negociação

- Me ligaram hoje da academia.

- É mesmo?

- Uhum. Queriam saber por que eu não ia desde o dia 15.

- Do mês passado?

- Retrasado.

- Só agora deram por falta de você?

- Não, essa foi a terceira ligação.

- E aí?

- E aí que eu expliquei que tava muito puta com o aumento da mensalidade. E que saber que esse aumento rolaria todo ano não me animava muito, já que tudo aumenta e meu salário não aumenta proporcionalmente.

- É verdade.

- Pensa só. É academia, aluguel, TV a cabo, tudo vem com reajustinho e nada de reajustinho no que eu ganho.

- E eles?

- Ah, me perguntaram se eu consideraria voltar diante de uma proposta.

- Interessante, hein?

- Também achei na hora, daí disse ok.

- E eles te ofereceram vantagem?

- Esse é o ponto. Sim. Propuseram que eu pagasse mensalmente o equivalente ao plano anual. É um belo desconto, mas ainda assim é mais do que eu pagava.

- E?

- Tem mais. Disseram que, se eu continuasse achando caro, eles voltavam ao valor antigo.

- Bom, né?

- Pois é. Só que daí eu fiquei pensando e não me senti à vontade de aceitar. Porque eles só estão conseguindo absorver esses descontos porque o resto dos alunos tá pagando o aumento. Sabe? Me sentiria uma canalha por aceitar ser favorecida.

- Sei.

- Me fez pensar que eles nem devem precisar aumentar nada agora, eu fiz as contas, quanto somaria todos esses a mais que todo mundo tá pagando. Tá bem acima dos aumentos que eles podem ter tido de custo, sabe? É ganância. Pura e simples.

- Aham.

- Acho que vou recusar. Não me sinto bem. Mesmo. Preferia que nem tivessem me oferecido esse desconto.

- Claro.

- Tô falando sério, amor.

-  Tô impressionado.

- Com o que?

- Acho que eu nunca vi você construir um argumento tão elaborado pra justificar sua preguiça de malhar.

- Preguiça? Que absurdo! É o princípio da coisa!

- Preguiça.

- Eles estão explorando os alunos!

- Preguiça. Você sempre odiou sair pra malhar.

- Sério, não acredito no que eu tô ouvindo. Justo você, que tem falado tanto desses protestos contra os preços abusivos.

- Preguiça. Confessa.

- Eu não...

- PRE-GUI-ÇA.

- Quer saber? Vai à merda.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Dia de jogo

Toca o interfone.

- Oi.

- É a dona Letícia.

- Pode subir.

Som de campainha.

- E aí? Trouxe as cervejas.

- Ótimo, já tá todo mundo aí. A Duda trouxe comida.

- "Comida". Merda nenhuma, trouxe porcaria.

- Ok, a Duda trouxe porcaria. Você trouxe a cerveja. Eu tenho a tv com o futebol; Fechou.

- Cadê o Pedro, Marcela?

- Foi ver o jogo na casa dos broders dele lá.

- Ela fez uma cara arrasada, você tinha que ver. Foi só ele sair que desfez o bico.

- Hahahaha...

- Cala a boca, Duda. Não é como se eu ficasse feliz por ele ver o jogo longe de mim. Na verdade, uma parte de mim fica é puta pra caralho. A gente se conheceu vendo um jogo, agora a gente raramente faz isso junto. Ele diz que reforça a masculinidade dele ver o jogo com os caras.

- O que isso significa?

- Sei lá. Mas daí eu vejo com vocês e tá tudo bem, porque vocês são mais legais que aqueles bostas dos amigos dele, que acham que eu sou retardada só por ser mulher.

- Porra, Marcela. Qual é?

- Foi mal, Lele. Eu sei que o Kadu é um dos bostas.

- Nah, beleza. Eu entendo. Eu falo a mesma coisa, então eu coloco o Pedro no grupo dos bostas.

- 20 minutos.

- A cerveja tá gelada?

- Claro. Olha pra minha cara e me diz se eu ia trazer cerveja quente?

- Boa. E aí? Palpites pra hoje?

- Bom, se ele entrar com o time titular e os caras jogarem a mesma coisa que no último jogo, eu acho que a gente vai suar.

- Eu também. Comecei a falar sobre isso com o Pedro, mas daí ele veio com aquele papo chato de que o fulano do blog tal disse isso, que os caras no grupo do Whatsapp disseram aquilo e eu pensando "Nossa, foda-se. Não lembrava de ter convidado tanta gente pra uma mesa redonda.". Deu uma puta saudade de quando a gente trocava ideia só a gente, sabe?

- Mesma coisa com o Kadu. Tá muito cheio de especialista hoje em dia, né? E eu já odiava ter que ouvir os que ganhavam a vida, recebiam salário pra ser chatos. Imagina esses que fazem de graça?

- Olha, eu sei que vocês odeiam quando eu digo isso, mas eu fico TÃO feliz por que o Fernando odeia futebol... Beleza, eu tenho que aturar ele acordando cedaço pra ver Fórmula1 nos domingos, mas pelo menos ele não discute aquilo comigo e eu não me interesso mesmo, ou seja...

- Sério, Duda. No começo eu meio que sentia pena de você, por ter casado com um cara que não entende nem compartilha da sua paixão. Mas hoje eu dia eu acho que eu e a Marcela nos fudemos bem mais que você.

- Verdade. Vaca.

- Beijinho no ombro pra vocês.

-Alá! Apitou o juiz.

- Tomara que esse filho da puta não acabe com as minhas chances de sexo hoje. BORA TIMEEEE!!!