- João vem cá! - Vera ajeitou o cabelo só o suficiente para disfarçar a cara de quem tinha acabado de acordar, mas ainda de pijama às 11:30 da manhã.
- Que, Vera?
- Vem cá, tô ligando pra minha mãe. Vem dar oi pra sua sogra.
Chama, chama, chama. Ninguém atende.
- Mas que caralho. Pra que tem celular se não vai atender? Vou tentar de novo.
- Eu vou continuar fazendo o que eu tava fazendo e qualquer coisa você me chama.
- Fica aqui, porra, o que te custa. Ela já vai atender.
Chama, chama, chama de novo. E de novo. E de novo. E de novo. Ninguém atende.
- Vou mandar mensagem pro meu irmão. "Você falou com a sua mãe hoje?"
- Ah tá. Quando tá puta é mãe dele.
- Cala a boca João.
...
- Filho da puta, não me responde. Agora to preocupada. Vou mandar mensagem pra minha tia. E pra minha prima. Alguém tem que ter falado com ela. "Oi, vocês falaram com a minha mãe hoje? Tô ligando e não me atende. Mandei mensagem, não me respondeu."
No telefone com a prima:
- Oi, Vera. Não falei com ela não. Falei ontem e ela tava meio zuada, tomou uns remédios e foi dormir.
- Como assim zuada? Tava com o que? Por que ninguém fala comigo? Isso é um complô?
- Você tá muito estressada, essa quarentena tá te deixando meio desequilibrada. De repente ela dormiu demais, deixa ela. É sábado. Tá com pressa de que?
- Cala a boca você também. Desde que eu me mudei de cidade vocês estão aí nesse complozinho que eu sei. Fazendo mil coisas na minha ausência. Só a pandemia mesmo pra impedir vocês de conspirarem.
...
- Vaca.
- Quem, Vera?
- A vaca da minha prima.
- Isso porque é sua prima favorita.
- Quem disse?
- Você. Toda hora.
- Cala a boca, João.
- Ótimo. Vou calar a boca lá onde eu tava antes de você começar esse chilique.
- Não, fica aqui. Eu to nervosa. E se tiver acontecido alguma coisa com ela? Ela tá sozinha em casa. Se tiver acontecido alguma coisa ela tá lá sem ninguém pra ajudar. Como que vai pedir ajuda? Aqueles vizinhos dela não vão adivinhar que tem algo de errado até, Deus me livre, começar a dar cheiro no apartamento.
- Agora tua mãe morreu?
- Credo, bate nessa boca.
- Mas foi você que disse, Vera.
- Eu disse que tava com medo E SE TIVESSE ACONTECIDO ALGUMA COISA. Você falou em morrer.
- Tá bom. Fui eu que falei. Desculpa. Seu irmão tá te respondendo, olha.
- Cadê? "Só falei com ela ontem, tomou um remédio e foi dormir". Porra, até ele sabia que ela tava passando mal e eu aqui. No escuro.
- Vou fazer um chá pra você, pra ver se te acalma.
- Eu não tô nervosa.
- VOCÊ ACABOU DE DIZER…
- Shhhhhh!! Shhhhhh!! É ela! É ela! Vem cá, senta aqui.
- Meu deus do céu.
- Senta, senta. Oooooi mãe!
- Oi, Filha. Me ligou?
- Liguei umas 15 vezes só. Dá oi pra sua sogra, João.
- Oi, sogra.
- Oi, João.
- Posso ir lá pra dentro?
- Vai, pode ir. Ô, mãe! Tentei falar com você umas 15 vezes hoje. Você tava dormindo?
- Não.
- Você passou mal?
- Passei, acho que comi um troço velho que tava na geladeira. O cheiro tava bom, comi. Mas acho que tava ruim. Deve ter sido isso.
- Você comeu chocolate velho de novo?
- Chocolate não estraga, Vera.
- Eu não vou ter essa conversa de novo.
- Ótimo, porque você sabe que eu estou certa. E eu não vou jogar fora os meus chocolates.
- Porque todo mundo sabia que você tava doente e eu não?
- Eu não estava doente, eu me senti mal. Eu vou te ligar pra dizer que estou me sentindo mal?
- Por que não?
- E você vai fazer o que?
- Ficar preocupada.
- Então pronto, por isso não te avisei.
- Mãe?!
- Vera?!
- E por que não me atendeu agora?
- Tava no banheiro. Deixei o telefone no quarto. Tava lendo um livro. Acho que a comida estragada ainda tá fazendo efeito. Deu pra ler uns 4 capítulos.
- Ah, obrigada por compartilhar.
- Ué. Você queria que eu te ligasse pra avisar que estava passando mal. Agora tá cheia de coisa porque eu falei de cocô? Decida-se.
- Você é muito esquisita.
- Puxei a você.
- VOCÊ é minha mãe!
- Seu ponto é?
- Nada. Vou tomar café.
- Vou aproveitar para responder a todas as mensagens das pessoas aqui preocupadas. Quantas pessoas você importunou porque eu não atendi o telefone, Vera?
- Umas 3. Meu irmão, minha tia, minha prima, aquela vaca.
- Só isso?
- Talvez os seus vizinhos.
- Puta que pariu, Vera.
- Cala a boca. Da próxima vez atende a merda do telefone. Te amo.
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