quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Faxina

Ela abriu o armário e começou a se arrumar. Pegou o vestido novo, ainda na caixa, e rasgou a embalagem sem dó. Calçou o sapato de festa, pegou até aquela bolsa que nunca usava. Lançou mão da maquiagem mais cara, do melhor perfume, parou pra ajeitar o cabelo no coque impossível que tanto namorava em revistas de moda. Pra fechar, obviamente, as jóias de família que nunca souberam que havia vida fora do cofre.

Olhou-se no espelho e já ouviu a vozinha no fundo.

- Vai sair?

- Não, estou arrumando a casa - respondeu, vassoura em punho.

- Precisa isso tudo só pra arrumar a casa?

- A casa tava precisando, olha essa zona. Como vou receber gente aqui? - abriu a cristaleira e puxou os pratos da avó, porcelana, borda folhada a ouro.

- A porcelana? Vai ter festa aqui hoje?

- Nada, só uns amigos, vou fazer cachorro quente.

- Vai usar o jogo de jantar completo pra servir cachorro quente? A sopeira também?

- Pensei em botar o molho aqui. Acho que vai ser legal servir assim, é bonito, não acha?

- Você tá bebendo?

- Só tomando um vinhozinho pra relaxar.

- O vinho que tava guardado pra quando eu conseguisse uma promoção?

- A promoção nunca vinha, mas eu tava com vontade de beber um vinho. Só tinha esse. Você não se importa, né?

- É que...

- Sabe, é que eu cansei. Cansei de guardar as coisas pra outra hora, prum momento especial. Pra sua promoção, praquela comemoração, cansei. De não ter jantar importante o suficiente pra usar esses malditos pratos. A verdade é que eu nem gosto deles. Nunca gostei. Odeio essa expectativa, sabe? De esperar que algo melhor aconteça pra aproveitar. Tô achando ótimo varrer a casa com esse vestido que você me deu e pediu pra eu usar só quando a gente fosse naquele restaurante que não faz reserva. Sabe por que? Você não tem tempo.Ou não tem vontade, sei lá. Juro que nunca sei.

- Não é isso...

- Não me importa. Sério. Eu não quero ficar adiando. Não quero viver nessa expectativa escrota. Qual o problema com o agora? Em botar uma roupa nova pra ir na padaria? Só porque você tá comigo? Ou pra trabalhar, porque foi você quem me deu a merda da blusa e eu gosto dela o suficiente pra acreditar que, só de vesti-la, um dia que tinha tudo pra ser uma bosta pode ser melhor?

- Calma, posso falar?

- Sabe de uma coisa? Não. Não pode. Você já falou tanto. Eu só quero terminar essa faxina, ajeitar as coisas, olha essa bagunça. Já já toca a campainha. Além do mais, você não tá aqui. Me deixa fazer as coisas do meu jeito.

Quebrou um prato, só porque podia, e foi terminar o cachorro quente antes que as visitas chegassem.

Um comentário:

sula disse...

Adorei o texto! Adorei a nova cara do blog! Parabéns! Beijos!!!