- O que você tá olhando?
- Essa caixa. Tô tentando entender como consegui ficar aqui dentro tanto tempo.
- Achei que você fosse feliz aqui dentro.
- Eu também. Mas acho que fazia por você. Eu nunca soube escrever com esqueleto, desenhar dentro do modelo, fazer as coisas assim tão fechadas. Te amava tanto, te amo ainda, que achava que valia a pena. Que não me incomodava. Talvez só não conseguisse ver direito daí de dentro. É tão pequena essa caixa, né?
- Ah, ela não é tão pequena assim, olha.
- É sim. Você não sabe como é difícil se apertar nesse espacinho com tanto medo seu. Não era só eu. Era muita coisa. E cada dia parecia aparecer uma coisa nova. Fiz muitos amigos aí dentro, é verdade. Seus amigos. Antigos, alguns muito antigos. Sei nem se você sabe que eles estão morando lá há tanto tempo. Se sentem donos do pedaço, sempre me deixaram claro isso. Que eu podia até estar lá, mas que não seria pra sempre. Posso estar louca, mas tinha dias em que os olhava e achava que estavam maiores. Sei lá. Posso estar louca. É muito claro aqui fora. Tem espaço. Sei lá.
- Desculpa.
- Esquece. A porta tava aberta. Eu entrei. Podia ter saído. Não quis. Me acostumei tanto a ficar lá que achei mais prático até tentar redecorar. Te vi várias vezes lá dentro, mas você nunca quis conversar. Ficava num canto, fechado. Nunca quis forçar. Mas te vi lá dentro.
- É... Acho que eu nunca reparei que era assim. Tão apertado. Tão complicado.
- Você pode arrumar as coisas. Se quiser. Mas eu não posso fazer por você. E não quero. Não conseguiria viver bem com essas paredes em cima, em volta de mim o tempo todo. Mas sabe...
- Fala.
- Eu fico pensando. Se você conseguisse sair. Se achasse o caminho. Se a gente se encontraria de novo aqui fora.
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