terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Debora olhou pra todos os lados, pra confirmar se estava sozinha. Já era tarde, nenhum conhecido por perto. Sentou-se na mureta da igreja na esquina da rua onde trabalhava. Abaixou a cabeça, apoiou-a sobre as mãos e começou a chorar tudo o que estava preso no último mês.

A verdade é que não aguentava mais sorrir e posar de forte quando se sentia tão sozinha e desamparada. Queria conversar com alguém, mas todos os seus amigos estavam distantes. Não só fisicamente, mas de sua realidade. Seria como tentar entender um episódio daquele seriado que você ficou tanto tempo sem assistir.

Começou a perceber o cheiro das velas derretidas. Estava sentada bem do lado do lugar onde as pessoas vão acender velas. Aquele cheiro de cera, do pavio queimado, de esperança, desespero, fé, promessas, tudo misturado.

Queria acreditar em Deus, ou em alguma coisa. Talvez fosse mais fácil, teria pra quem contar suas coisas. Ou pedir. Mas pedir o que, se nem ela sabia qual era o problema?

- Você está bem, minha filha?

Debora tinha procurado rostos conhecidos, mas tinha esquecido da senhorinha que ficava na igreja vendendo as velas na entrada.

- Estou sim. - Disse, enxugando as lágrimas.

- Aqui não é um lugar muito bom pra se estar sozinha a essa hora.

- Eu sei, eu só precisava parar um pouco.Já estou saindo.

- Calma, fica sentada mais um pouco. Também não é boa ideia sair por aí chorando desse jeito.

- Não é nada. Eu tava só precisando botar pra fora um pouco. Às vezes faz bem, né? Dizem.

- Faz. Faz mesmo.

- Sabe, eu acho curioso quem vem aqui, pega essas velas e acende, faz uma prece, uma promessa, sei lá o que se faz, na verdade, e sai daqui esperando ser atendido. Funciona? Nunca vi funcionar. Mas as pessoas saem daqui com uma tranquilidade, como se tivessem passado o problema pra frente, pra mão de outro.

- Não sei se vejo assim, mas acho que você não acredita em Deus, não é?

- Não muito, desculpe. Tenho 27 anos de motivos pra não acreditar.

- Eu entendo. Respeito, até. Tenho 56, trabalho voluntariamente nessa igreja faz 20, desde que casei. Meu marido morreu tem 5 anos e me deixou uma pensão gorda, não preciso me preocupar com trabalho, então posso me dedicar ainda mais a isso. Gosto, sabe? De entregar as velas nas mãos das pessoas como se estivesse passando um pouco de esperança. Elas fazem isso por fé, minha filha. Como você chama?

- Debora.

- Acho que tem um pouco de desespero, sim. Às vezes. Mas não vejo como passar o problema pra frente, vejo mais como aceitar que tem coisas que não dependem só de você e que talvez você não precise carregar toda a responsabilidade do mundo sozinha sobre seus ombros.

- Eu queria acreditar nisso.

- Você é bem nova pra ser tão descrente.

- Será?

- Quer acender uma vela?

- Mas já disse que não acredito em Deus. Não sei nem como rezar, ou sei lá o que se faz.

- Não precisa acreditar em Deus pra isso. Ou rezar. Faz assim. Acende a vela e pensa no que está te atormentando. Olha bem pra chama da vela enquanto isso. Não será um pedido, uma promessa, uma prece. Será um guia pra te iluminar o caminho, pra te ajudar a encontrar isso que você tanto procura.

- Eu quero paz.

- Todos queremos, filha. - Disse a mulher passando a mão sobre os cabelos de Debora como um carinho.

Ela se levantou, ajeitou o vestido e pegou a bolsinha de moedas, em busca de trocados.

- Quanto é a vela?

- Não precisa se preocupar com isso. Essa é por minha conta.

Debora acendeu a vela e deixou pingar aquela primeira gotinha de cera pra fincar sua base ali naquele pedestal. Nunca tinha feito aquilo antes, mas já tinha visto sua avó e sua mãe fazerem. Fechou os olhos um pouco antes de olhar fixamente pra chama e pensar em tudo que a havia levado às lágrimas, àquela mureta.

Não sabia explicar porque estava tão perdida, nem sabia se aquilo tudo faria alguma diferença. Conversar com aquela senhora a tinha deixado mais calma, pelo menos naquele breve momento.

Talvez ela precisasse de perspectiva. Talvez tudo aquilo fosse mesmo passar. Talvez a vela iluminasse seu caminho e tudo fizesse sentido amanhã, ou o tempo que precisasse pra que aquilo tudo fizesse efeito, ela não sabia ao certo.

Ou talvez sua confusão se derretesse com a cera e se misturasse com o pavio queimado, a esperança, o desespero e a fé de tantos outros.

Por enquanto, ela estava mais calma.

3 comentários:

Anônimo disse...

Às vezes nem é a prece que dá efeito. Só o fato de repensar sua vida, seus problemas já ajuda muito. Não é a toa que meditar é muito bom para a saúde física e emocional.

Juliana Cimeno disse...

Conheço bem a sensação de ter meu coração "acalentado" por uma cerimônia que não tem nada a ver com a minha fé, ou comigo... Mas que simplesmente funciona. Belo texto.

Maurilio disse...

Eu sou a Debora. E sendo bem específico, quando passo pelo Largo do Machado em alguns dias de velas queimando e cabeça formigando, sou ainda mais Debora. Assim como ela, ainda descrente, mesmo que mais relaxado. Um abraço para a Debora.