sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

De boas ações...

Depois de sabe-se lá quantos Ice Teas, lá está ela, pronta para fazer a famosa dança do xixi até o banheiro. Pede instruções e procura-o como quem sai em busca do Santo Graal.


Segue em frente, vira à direita, à direita de novo, aí vai ter uma portinha preta, na parede preta. Legal... A maçaneta deve ser preta também, porque ela não acha a porra da porta nem... Ah, deve ser aquilo lá... Clanc! Bosta de porta trancada...


Tranqüilo, ela pode esperar. Não mais do que alguns instantes, mas ela pode esperar. Sua amiga aparece e cochicha em seu ouvido que precisa entrar antes, acidente iminente. Mais alguns segundos e ela corre o risco de ficar com a saia bege toda manchada de vermelho. Ok, ela deixa a amiga passar a frente, mas que seja rápido, senão seria ela com as calças todas encharcadas.


Ai, mas como demora a infeliz no banheiro... E demora em banheiro público só pode significar uma coisa... Tá, podem ser outras também. Mas como a lenda da mesa de pingue-pongue no banheiro feminino não passa mesmo de lenda, ou a cachorra do outro lado da porta está ajeitando a maquiagem bêbada (e nesse caso o perdão só vem diante de uma mulher alcoolizada que mais pareça fugitiva de um circo), ou ela está realmente trabalhando num número dois... E ninguém quer precisar entrar correndo dentro de tais circunstâncias. Em lugar nenhum!

A garota finalmente sai. De cabeça baixa e sem fazer contato visual, o que só fortalece a segunda teoria. E o caso deve estar tão grave, que ela ainda faz de tudo para não ser reconhecida. Ainda bem que ela passou a vez pra amiga... Coitada, mas...


Ela entra com aquela cara de quem sabe estar indo em uma missão kamikaze. Mas precisava ir, por motivo de forças maiores... Lança um último olhar e tranca a porta.


E a dança do xixi, continuando frenética do lado de fora. A fila crescendo terrivelmente atrás dela, todas parecendo igualmente tensas com a perspectiva de ficarem mais tempo do que consigam segurar naquela maldita espera...


Como se a situação não fosse desconfortável o suficiente, uma menina se aproxima falando bem alto, um copo de algum drink de cheiro forte em uma das mãos.


- Gente... Essa porta tá fechada há mais de meia hora, a menina se trancou aí dentro e eu acho que ela não vai sair tão cedo, nem imagino o que ela esteja fazendo aí dentro...


- Ela já saiu, outra pessoa entrou...


- Noooossa... Eu tava dali do balcão só prestando atenção nessa porta, esperando ela abrir e nada... E eu nem tirei o olha dela!! Ainda bem que ela saiu, né... Porque eu não entendo como é que alguém demora tanto tempo no banheiro...


- É... Mas agora a rotatividade vai ser bem maior, te garanto... Eu, pelo menos, não pretendo ficar muito tempo dentro do banheiro mesmo...


- É, eu também sou rápida, sabe, porque eu entro...


A porta abriu. Sua amiga saiu com a cara aliviada de quem havia conseguido evitar uma catástrofe bem a tempo. E ainda a salvou daquela conversa... Bem a tempo...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Quem ouve o que quer...

Escutar atrás das portas é feio, ele sabia disso. Mas certas coisas parecem que pedem para ser escutadas. Pois lá estava ele passando pela sala dela, daquela colega de trabalho gostosa que ele sempre sonhou em chamar para sair. Coisa boba, um almoço que fosse. Mas gaguejava sempre que a via em sua frente. Ela era linda, perfeita. E o melhor de tudo era que não sabia disso. Então, além de ser uma deusa, era humilde e um doce de pessoa.


Ele gostava de passar perto da sua sala. O corredor tinha sempre o mesmo cheiro dos seus cabelos. Aqueles enormes cabelos ruivos e cacheados. Quem sabe dessa vez ele não tomava coragem para convidá-la para algo?


- Anda, vai... Você sabe que você me quer...


Como ela sabia? Ok... Para tudo... Ela não sabia. Não era com ele que ela estava falando. Mas com quem? Com quem? Quem era o safado que tinha sido corajoso o suficiente para passá-lo pra trás?


- Vai... Você me acha uma delícia, para de negar. Tá se controlando pra não passar a língua em mim, sentir meu gosto... Tasca logo uma mordida, para de frescura!


Meu Deus! Assim, em plena luz do dia, no escritório, mas essa mulher não tinha pudores... Que inveja... Quem seria o sortudo desgraçado que estava no lugar que ele daria os olhos pra ocupar? Por que ela não dizia aquelas baixarias pra ele??


- Vem... Bota logo esses dentes em mim... Me come... Me mastiga... Me bota toda na boca, você me quer mais do que tudo nesse mundo, para de fingir que é mentira... Você não vai parecer mais forte se continuar se fazendo de besta, se continuar resistindo... Cede logo... Cede... Anda... Abre a boca... Assim... Assim...


O coitado já quase não se agüentava mais, queria rasgar a roupa e dizer que ele não resistiria... Ele jamais diria não a ela... Ele diria sim... Somente sim... A tudo que ela quisesse, a tudo que ela pedisse. Ele deitaria no chão para ela pisar, a chamaria de rainha, o que quer que...


Mas como bom estabanado, tudo que ele consegue fazer é derrubar sua pasta no chão, fazendo um barulho estúpido que ele nem podia negar... Não tinha pra onde correr, só podia ficar ali, com cara de tacho... Então se jogou no chão, fez que tinha tropeçado. Botou a mão na cabeça, fingiu que tinha um galo. Uma concussão, quem sabe... Epa... Pra completar, faltava a cara de confuso... Onde estava? Onde...


- Evandro! Você está bem? Eu ouvi um barulho horroroso, você... Você caiu? Tropeçou? Quebrou alguma coisa? Quer que eu chame alguém?


Ela sabia o seu nome... Ela sabia o seu nome... Mas... Ele olhou pra dentro da sala e não havia mais ninguém. Talvez escondido... Não, não havia espaço pra isso... Não naquele cubículo... Ela estava... Comendo? O que era aquilo? Mas que prato mais triste...


- Ah, desculpa... Não te ofereço porque estou começando hoje uma dieta. A comida é terrível, eu sei. Nem eu tenho muita coragem de comer. Pra você ter uma idéia, e eu sei que isso é ridículo, eu estava fazendo um teatrinho comigo mesma... Fingindo que aquele brócolis é um brigadeiro, ou algo gostoso... Mas eu tenho que te confessar... Um brócolis não é nada sedutor...


Não... Ele não precisava que ela chamasse ninguém... Quem sabe outro dia ele não tomaria coragem... E a convidaria para almoçar... Outra hora... Outra hora...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Da obsolescência das tradições

Desde pequena sua avó sonhava com seu casamento. E alimentava sua cabecinha com todas as neuroses que deveriam perturbar a cabeça de uma noiva que se prezasse. Como deveria ser o vestido, a cerimônia que obviamente deveria acontecer na igreja em que todas as mulheres da família haviam se casado, o cardápio adequado, toda a burocracia que deveria respeitar para ter um casamento digno.


Quando ia visitar a avó, aprendia a crochetar, tricotar, bordar e costurar. Em uma idade apropriada, a avó começou a ensiná-la a cozinhar, lavar roupas à mão e passar camisas impecavelmente.


O problema era que ela nunca freqüentava a igreja sequer pra missa de domingo. Não gostava da balela dos padres, não gostava das velhas desafinadas cantando aqueles hinos irritantes, não gostava daquele monte de dogmas que deveriam ser seguidos para provar sua fé. Nunca acreditou que fé dependesse de igreja. Rezava em casa toda noite e, só porque não tinha fiscal, isso não fazia dela uma pessoa menos religiosa do que uma das coroas ratas de missa.


E casar de branco... Xii... Era melhor nem entrar nessa discussão... Se tinha uma coisa que ela não aceitava de jeito nenhum, era hipocrisia... Dependesse dela, casaria de vermelho!


Mas nunca levou isso tudo a sério, porque, no fundo, no fundo, ela achava mesmo era que nunca ia casar. Ou que sua avó morreria antes. E então ela poderia fazer o que quer que fosse do jeito dela. Uma cerimônia de juntamento, e olhe lá.


Até que conheceu o homem da sua vida, quem diria... E a menina enjoada, que morria de vontade de bordar caveiras e palavrões nos paninhos que a avó lhe dava, começou a se imaginar de noiva.


Não, ela nunca cedeu à igreja. Jamais sorriu quando se pensou de branco, caminhando até o altar. Mas queria se casar. E se aquele deveria ser o dia mais feliz da sua vida, ela teria de ter uma conversa séria com a avó.


Era simples. Ou uma, ou outra. E antes ela do que os bem-casados ideais...


Pois se sentaram as duas para um cafezinho com bolo, numa deliciosa tarde de sábado. E ela abriu o jogo. Queria mesmo era se casar pulando de pára-quedas, mas o noivo tinha medo de altura. Então decidiram fazer um enorme piquenique no jardim da casa dos pais dele em Petrópolis. Coisa boba, com um juiz oficializando a união, ela com um vestido florido, ele de jeans e uma bata. Depois todo mundo comendo um almocinho caseiro em umas mesas bem grandes, todo mundo conversando e falando alto...


Não queria bem-casado. A verdade é que ela não gostava de doce... Queria um bolo, sim, mas queria de chocolate. E não com aqueles recheios enjoados de sabores esquisitos. De chocolate. Assim mesmo. Bolo besta. Mas o dia era dela, o bolo era dela, então ela é quem tinha de escolher.


E mais uma coisa. Nada de lista em loja que vende coisas de cristais. O que ia fazer com aqueles jogos caros de jantar se ela não ia nunca ter coragem de deixar um monte de amigo estabanado passar os garfos e facas naquelas pinturas tão delicadas das porcelanas? E pra que tanto copo de cristal, que ia deixar ela com tanto medo de ver quebrar na mão dos mesmos amigos estabanados que iam certamente arranhar os pratos??


Queria mesmo era um chá de lingerie numa boate de strip, com as amigas lhe dando calcinhas sacanas de presente, falando asneiras sobre como ela deveria usar cada uma, dando dicas de sexo e contando histórias censuradas de coisas que elas já tinham feito. Todas enchendo a cara e perdendo a vergonha, botando dinheiro nas sungas dos dançarinos com os dentes. Coisas de que elas se arrependeriam no dia seguinte, ou morreriam de rir ao lembrar...


E ela ali, enumerando todas as subversões com que ela sonhava, falando sem respirar, com medo de perder a coragem diante da avó de 80 anos, quando a velhinha a interrompe...


- Minha filha... Você ama esse rapaz?


- Muito, vó...


- E ele é o homem da sua vida?


- Do lado dele eu encontrei uma paz que eu nunca tinha conhecido, vó...


- Então eu faço o bolo.


- Jura, vó?


- Claro, minha filha... Eu te ensinei todas aquelas coisas porque era assim que se fazia no meu tempo. Mulheres deveriam bordar, cozinhar, passar, casar virgens e de branco. Mas tanta coisa mudou... O que me importa é que seu casamento seja de verdade, que seja feliz. O casamento não é a festa, mas o que vem depois, é a convivência entre você e o seu marido. E os convidados que enchem a pança com os seus docinhos e vinhos e salgadinhos não vão pra casa com você. Eles não vão lavar sua louça, nem ajudar a mediar qualquer desentendimento entre vocês dois.


- Ai, vó! É exatamente o que eu penso, mas eu não imaginei que a senhora fosse entender...


- Shh!! Eu ainda não terminei de falar, menina! Que falta de educação...


- Desculpa... Continua...


- Eu só tenho uma coisa mais pra te falar... Se você ainda não tiver escolhido a boate, eu sei de um bom lugar...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

TPM

e-mail 1


Imagina! Eu te liguei, mas nem precisava falar com você, não era importante, não... Acho graça disso. Quase nunca te ligo, mas quando ligo você não me atende. Toca, toca, toca e nada. Você simplesmente não atende!! Isso porque eu liguei não uma, mas 18 vezes, registradas no meu celular. Aquele mesmo celular que permanece ali, sem nenhuma ligação. Além de não me atender, canalha, não se dá o trabalho de ligar de volta. Me dá um ódio isso, não consigo nem explicar. Tenho vontade de pegar o telefone e jogar aquela merda na parede, só pra ter o prazer de ver ele se espatifar em mil pedacinhos e saber que, quando você resolver me ligar, não vai me achar! Tá me entendendo? Aliás, acho que ta na hora da gente conversar. Isso é uma tremenda falta de respeito, você não me dá valor nenhum. Deve ser porque eu, imbecil que sou, sempre te atendo. Corro quando você chama, faço todas as suas vontades. Te chamo de meu amorzinho, benzinho pra cá, coisa linda pra lá. E você só me chama pelo nome. E não atende o cacete do telefone quando eu preciso tanto de você. E se eu tivesse morrendo? E se tivesse me caído um dedo e eu estivesse sangrando até a morte, te ligando só pra te dizer que te amo? Minhas últimas palavras e você nem pra apertar o botãozinho verde e dizer alô. Custa tanto? O que você poderia estar fazendo de mais importante que ouvir minhas últimas palavras? E se eu tivesse sido seqüestrada e estivesse te ligando pra te passar as instruções dos seqüestradores e você neca de me atender? Sabe o que teria acontecido? Eu teria tomado um tiro no meio da testa. E você nem ia saber o que tinha acontecido! Aí ia morrer de remorso, seu sonso, aposto. Ou pior! Nem ia sentir remorso nenhum. De repente queria mesmo era se livrar de mim. É isso? Queria se livrar de mim? Se for isso, fala na cara, não foge não! Seja homem. Olha no meu olho e diz que não me quer. Diz que não me ama. Confessa logo e diz que foi tudo fingimento, que nunca me amou, que ficou comigo esse tempo todo por pena, que me acha uma tonta, uma fútil, que eu encho teu saco até o limite da loucura. Minha mãe é que tinha razão quando disse que eu ia pagar meus pecados ficando com você, mas como eu nunca escuto a minha mãe, dá nisso. Me ferro. Tô te ligando de novo enquanto escrevo esse e-mail, mas você continua não me atendendo! Olha isso! Entrou em caixa postal! Tá vendo meu número na bina e desligou na minha cara? É isso mesmo? Desligou na minha cara? Pois fique sabendo que agora não tem nem mais conversa, não quero mais saber das suas desculpas. Fica sabendo que se você me acha a conjunção de todas as coisas ruins que existem na face da Terra, tem quem me queira, tá? Aqui mesmo no escritório tem um cara lindo que me disse hoje de manhã que eu tava maravilhosa. De repente eu aceito o convite dele pra jantar. E você um dia vai saber o que perdeu. Não precisa mais me ligar...


e-mail – depois


Amorzinho... Sabe quando a gente foi ao supermercado e você pediu pra eu guardar as suas coisas na minha bolsa? Eu esqueci de te devolver seu telefone... E como você tinha botado pra vibrar, nem percebi que tava lá dentro, a bolsa tava na cadeira e eu nem tava ouvindo tremer... Tanto te liguei que a bateria acabou e o telefone desligou, tomara que você não esteja precisando dele pra nada, nem que tenha alguma ligação importante pra receber. Eu tava pensando em hoje você passar lá em casa, eu faço seu prato favorito e até a sobremesa. Pudim de pão com calda de ameixa, o que você acha? Comprei uma lingerie nova, preta, de renda, do jeito que você gosta, até passei na depilação na hora do almoço, tenho uma surpresa pra você... Já te disse hoje o quanto te amo? Porque eu te amo... Você é o namorado mais lindo desse mundo e eu tenho tanta sorte de ter você... Então, o que você diz? 20h lá em casa? Não precisa nem levar o vinho, eu passo no mercado antes de ir pra casa e compro... Te amo, tá chuchuzinho?


P.S.: O menino do escritório é gay. Ele disse que eu tava um luxo, não maravilhosa. E o convite era pra sair pra dançar. Alguma coisa de noite de mulheres, sei lá. Mas eu nem prestei atenção, era bobeira minha...

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Memória

Tinha alguma coisa pra te contar, mas juro que não lembro o que. Foi alguma coisa que aconteceu e me fez pensar em você, ou então alguma coisa que eu vi, talvez...


Cheguei a fazer uma anotação no celular, escrevi alguma coisinha pontual, daquelas que eu leria depois e saberia exatamente o que tinha que te dizer, mas quem disse? Agora abri a maldita nota e fiquei olhando praquela frase idiota e sem sentido pensando “que raios eu quis dizer com isso?”. Ainda não deletei, quem sabe por algum milagre divino eu não me recorde o que ela representa...


É que nem a antiga técnica do barbante amarrado no dedo. Acho que fiz uma vez. Encarava aquele laço e sempre pensava qual seria a razão pro meu dedo estar embrulhado pra presente. Sabia que era para lembrar de alguma coisa, mas parava por aí...


Mas pelo menos o barbante esfregava na minha cara que eu tinha algo que não deveria ter esquecido. Celular é pior. Fica lá a notinha, escondida numa função do telefone que você só acessa por menu e se você não consegue lembrar do que queria contar sem anotar em algum lugar, vai lembrar de procurar a porcariazinha que escreveu pra poder saber do que se tratava? Parece piada...


Onde mesmo eu queria chegar com isso? Já até esqueci...