segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Psicotécnico

Roberto estava sentado sozinho na sala há quase 30 minutos quando entrou uma moça jovem, bem vestida e séria.

Em um misto de educação e apreensão, levantou-se apressado assim que ouviu a maçaneta da porta girar.

- Pode se sentar, senhor Roberto. Imagino que o senhor saiba porque estamos aqui.

- Não, na verdade não. É por causa do teste que eu fiz, né? Eu escrevi alguma coisa errada? Você me desculpa, é que aquele contador no canto da tela me deixou um pouco nervoso, o tempo diminuindo, eu acho que devo ter escrito coisa corrida. Desculpa os erros.

- Tudo bem, os erros não são tão importantes. O objetivo desse teste é avaliar sua aptidão para realizar o trabalho, não exatamente a qualidade do seu texto ou sua gramática. Teremos outra prova para avaliar essas questões depois. Mas estamos aqui por causa do teste que o senhor fez, sim. Algumas coisas chamaram a nossa atenção e ficamos bastante preocupados.

- Ai, meu Deus. Eu não consegui a vaga, né?

- Calma, senhor Roberto. O senhor foi bastante bem em todas as avaliações que fizemos até agora, inclusive essa. Mas precisamos nos aprofundar em alguns aspectos exatamente para esclarecer esses pontos. Na questão 525, o senhor disse que "já deu uma palmada em alguém do sexo oposto".

- Ah, sim. Olha, eu preciso confessar para a senhora que essa parte me deixou um pouco confuso. Eu sei que vocês são bem detalhistas, mas não sabia que chegariam nesse nível. Só que eu vim aqui determinado a ser honesto, eu acho que é importante ser eu mesmo nessas horas, né? Então eu fui sincero.

- Mas o senhor entende as implicações disso, não é mesmo?

- A senhora não acha que isso é uma questão pessoal demais para interferir num processo seletivo de emprego?

- O senhor acha que é?

- Sim. O que a gente faz na vida privada não interfere na vida profissional. Ok, em alguns casos sim, mas esse não é um deles.

- Senhor Roberto, a política da empresa é muito clara nesse sentido. Não podemos fazer concessões.

- Olha, dona...

- Marilia.

- Dona Marilia. Eu não sei do que a senhora gosta. Eu não gosto de coisas esquisitas, viu? Mas quando eu estou em um relacionamento, às vezes as coisas acontecem, né? Às vezes a gente está lá, na intimidade...

- O senhor está insinuando que violência doméstica é uma questão íntima?

- Pera. Quem está falando em violência doméstica? Eu não falei em violência doméstica.

- Ah, entendo. O senhor é desses que minimiza o problema.

- Olha, eu não sei se eu estou acompanhando seu raciocínio.

- A questão 525 claramente pergunta se o senhor já bateu em alguém do sexo oposto.

- Não senhora. Ela pergunta se eu já dei uma palmada em alguém do sexo oposto.

- Então.

- Então nada. Palmada eu já dei. Teve uma namorada minha que gostava dessas coisas. Na cama, sabe? Eu não faço questão, mas não posso negar que gostei. Mas nem toda mulher gosta, né? Então...

- Meu Deus. O senhor achou que a pergunta era sobre a sua vida sexual?

- Foi o que eu disse. Achei estranho vocês se interessarem por algo tão íntimo.

- Senhor Roberto, essa sessão do questionário é para identificar candidatos que tenham perfil de violência. No caso, a empresa estava querendo saber se o senhor já agrediu uma namorada, ou esposa, ou qualquer outra mulher em sua vida.

- Dona Marilia, com todo o respeito, quem em sã consciência vai confessar em uma entrevista de emprego que já espancou a mulher?

- Olha, senhor Roberto, eu entendo o seu ponto. Mas, seguindo seu raciocínio, quem admitiria que gosta de uns, ahm, "tapinhas" na cama?

- É, pensando por esse lado...

- Eu vou ser sincera com o senhor. E isso não tem nada a ver com o teste, ou com essa conversa. Eu acho que o senhor não tem o perfil para essa vaga.

- Eu entendo. Obrigada pela atenção. Se pintar alguma oportunidade, a senhora tem o meu currículo.

- Calma. Eu acho que o senhor não tem o perfil para ESSA vaga. Mas nós estamos precisando de alguém assim, digamos, honesto para trabalhar aqui no recrutamento. Acho que podemos melhorar os processos. No mínimo, fazer uns questionários melhores. Né? Seria algo em que o senhor teria interesse?

- Quando eu começo, Mari? Posso te chamar de Mari?

- Acho que já extrapolamos a cota de intimidade do dia.

- Tranquilo. Uma coisa de cada vez. 


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