segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Nada de mim

Ela sentou pra escrever. Estava na dúvida, falar sobre o que?


Discordava que os melhores textos eram filhos da tristeza e de sentimentos ruins em geral, mas sabia que não poderia falar de felicidade. E era só disso que queria falar.


Sempre quis entender esse paradigma da inspiração estar ligada à depressão, mas faltavam-lhe argumentos para contestá-lo com embasamento teórico. Queria algo mais concreto do que “isso é uma imbecilidade sem tamanho...”.


A verdade é que as pessoas tendem a ser medíocres. A felicidade alheia incomoda. Esfrega na cara e cutuca a ferida.


A tristeza dos outros, no entanto, dialoga com qualquer uma. Sem sotaques, sem ruídos, fala tão claramente como se estivesse sussurrando delicadamente ao pé do ouvido. E dá aquela satisfação mórbida de saber que alguém está tão ou mais fudido que você...


É horrível? Mas é verdade!


Ela sentou pra escrever e contemplou novamente aquela tela vazia, amiga de tantas horas.


Decidiu abrir mão da felicidade e escrever ficção. Falou de confusão, de algo talvez triste, incômodo. Parecia que estava abrindo seu coração, mas com requintes de figuras de linguagem e toques de liberdade poética.


Escreveu em primeira pessoa, criando a ilusão de que realmente falava de si. A mesma ilusão que faz concluir que toda terceira pessoa fala de outro, conta a história alheia. Muitas vezes, até, fofoca...


Ela se pôs ali, por completo, naquela mentira contada sobre alguém, mas na sua voz, nas suas palavras. Fez-se enxergar no que não a pertencia, no que sequer conhecia. Pôs-se literariamente triste quando estava realmente feliz.


Descobriu ali sua válvula de escape e percebeu que nem todo texto precisa ser auto-biográfico...

5 comentários:

André Aires disse...

Que isso Nanda...
Muito bom!!!!!!
Caramba, é o melhor texto seu. Caraca... Deu até inveja. Vou ter que ler outra vez amanhã.

Anônimo disse...

Sim, as pessoas têm inveja da felicidade alheia, mas algumas não. Algumas regozijam-se do momento dos amigos e vêem que a vida pode ser melhor do que parece.

Anônimo disse...

Concordo com este tal de Palito aí em cima.
Sabrina

Leila disse...

You are the best. Always amazing me, even though I should not.

Anônimo disse...

Isso me lembra um dos primeiros e melhores textos que eu li na faculdade: "A Imaginação Sociológica", do C. Wright Mills. Primeiro capítulo. É um dos textos da minha vida.