Ela sentou pra escrever. Estava na dúvida, falar sobre o que?
Discordava que os melhores textos eram filhos da tristeza e de sentimentos ruins em geral, mas sabia que não poderia falar de felicidade. E era só disso que queria falar.
Sempre quis entender esse paradigma da inspiração estar ligada à depressão, mas faltavam-lhe argumentos para contestá-lo com embasamento teórico. Queria algo mais concreto do que “isso é uma imbecilidade sem tamanho...”.
A verdade é que as pessoas tendem a ser medíocres. A felicidade alheia incomoda. Esfrega na cara e cutuca a ferida.
A tristeza dos outros, no entanto, dialoga com qualquer uma. Sem sotaques, sem ruídos, fala tão claramente como se estivesse sussurrando delicadamente ao pé do ouvido. E dá aquela satisfação mórbida de saber que alguém está tão ou mais fudido que você...
É horrível? Mas é verdade!
Ela sentou pra escrever e contemplou novamente aquela tela vazia, amiga de tantas horas.
Decidiu abrir mão da felicidade e escrever ficção. Falou de confusão, de algo talvez triste, incômodo. Parecia que estava abrindo seu coração, mas com requintes de figuras de linguagem e toques de liberdade poética.
Escreveu em primeira pessoa, criando a ilusão de que realmente falava de si. A mesma ilusão que faz concluir que toda terceira pessoa fala de outro, conta a história alheia. Muitas vezes, até, fofoca...
Ela se pôs ali, por completo, naquela mentira contada sobre alguém, mas na sua voz, nas suas palavras. Fez-se enxergar no que não a pertencia, no que sequer conhecia. Pôs-se literariamente triste quando estava realmente feliz.
Descobriu ali sua válvula de escape e percebeu que nem todo texto precisa ser auto-biográfico...
5 comentários:
Que isso Nanda...
Muito bom!!!!!!
Caramba, é o melhor texto seu. Caraca... Deu até inveja. Vou ter que ler outra vez amanhã.
Sim, as pessoas têm inveja da felicidade alheia, mas algumas não. Algumas regozijam-se do momento dos amigos e vêem que a vida pode ser melhor do que parece.
Concordo com este tal de Palito aí em cima.
Sabrina
You are the best. Always amazing me, even though I should not.
Isso me lembra um dos primeiros e melhores textos que eu li na faculdade: "A Imaginação Sociológica", do C. Wright Mills. Primeiro capítulo. É um dos textos da minha vida.
Postar um comentário