quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Da obsolescência das tradições

Desde pequena sua avó sonhava com seu casamento. E alimentava sua cabecinha com todas as neuroses que deveriam perturbar a cabeça de uma noiva que se prezasse. Como deveria ser o vestido, a cerimônia que obviamente deveria acontecer na igreja em que todas as mulheres da família haviam se casado, o cardápio adequado, toda a burocracia que deveria respeitar para ter um casamento digno.


Quando ia visitar a avó, aprendia a crochetar, tricotar, bordar e costurar. Em uma idade apropriada, a avó começou a ensiná-la a cozinhar, lavar roupas à mão e passar camisas impecavelmente.


O problema era que ela nunca freqüentava a igreja sequer pra missa de domingo. Não gostava da balela dos padres, não gostava das velhas desafinadas cantando aqueles hinos irritantes, não gostava daquele monte de dogmas que deveriam ser seguidos para provar sua fé. Nunca acreditou que fé dependesse de igreja. Rezava em casa toda noite e, só porque não tinha fiscal, isso não fazia dela uma pessoa menos religiosa do que uma das coroas ratas de missa.


E casar de branco... Xii... Era melhor nem entrar nessa discussão... Se tinha uma coisa que ela não aceitava de jeito nenhum, era hipocrisia... Dependesse dela, casaria de vermelho!


Mas nunca levou isso tudo a sério, porque, no fundo, no fundo, ela achava mesmo era que nunca ia casar. Ou que sua avó morreria antes. E então ela poderia fazer o que quer que fosse do jeito dela. Uma cerimônia de juntamento, e olhe lá.


Até que conheceu o homem da sua vida, quem diria... E a menina enjoada, que morria de vontade de bordar caveiras e palavrões nos paninhos que a avó lhe dava, começou a se imaginar de noiva.


Não, ela nunca cedeu à igreja. Jamais sorriu quando se pensou de branco, caminhando até o altar. Mas queria se casar. E se aquele deveria ser o dia mais feliz da sua vida, ela teria de ter uma conversa séria com a avó.


Era simples. Ou uma, ou outra. E antes ela do que os bem-casados ideais...


Pois se sentaram as duas para um cafezinho com bolo, numa deliciosa tarde de sábado. E ela abriu o jogo. Queria mesmo era se casar pulando de pára-quedas, mas o noivo tinha medo de altura. Então decidiram fazer um enorme piquenique no jardim da casa dos pais dele em Petrópolis. Coisa boba, com um juiz oficializando a união, ela com um vestido florido, ele de jeans e uma bata. Depois todo mundo comendo um almocinho caseiro em umas mesas bem grandes, todo mundo conversando e falando alto...


Não queria bem-casado. A verdade é que ela não gostava de doce... Queria um bolo, sim, mas queria de chocolate. E não com aqueles recheios enjoados de sabores esquisitos. De chocolate. Assim mesmo. Bolo besta. Mas o dia era dela, o bolo era dela, então ela é quem tinha de escolher.


E mais uma coisa. Nada de lista em loja que vende coisas de cristais. O que ia fazer com aqueles jogos caros de jantar se ela não ia nunca ter coragem de deixar um monte de amigo estabanado passar os garfos e facas naquelas pinturas tão delicadas das porcelanas? E pra que tanto copo de cristal, que ia deixar ela com tanto medo de ver quebrar na mão dos mesmos amigos estabanados que iam certamente arranhar os pratos??


Queria mesmo era um chá de lingerie numa boate de strip, com as amigas lhe dando calcinhas sacanas de presente, falando asneiras sobre como ela deveria usar cada uma, dando dicas de sexo e contando histórias censuradas de coisas que elas já tinham feito. Todas enchendo a cara e perdendo a vergonha, botando dinheiro nas sungas dos dançarinos com os dentes. Coisas de que elas se arrependeriam no dia seguinte, ou morreriam de rir ao lembrar...


E ela ali, enumerando todas as subversões com que ela sonhava, falando sem respirar, com medo de perder a coragem diante da avó de 80 anos, quando a velhinha a interrompe...


- Minha filha... Você ama esse rapaz?


- Muito, vó...


- E ele é o homem da sua vida?


- Do lado dele eu encontrei uma paz que eu nunca tinha conhecido, vó...


- Então eu faço o bolo.


- Jura, vó?


- Claro, minha filha... Eu te ensinei todas aquelas coisas porque era assim que se fazia no meu tempo. Mulheres deveriam bordar, cozinhar, passar, casar virgens e de branco. Mas tanta coisa mudou... O que me importa é que seu casamento seja de verdade, que seja feliz. O casamento não é a festa, mas o que vem depois, é a convivência entre você e o seu marido. E os convidados que enchem a pança com os seus docinhos e vinhos e salgadinhos não vão pra casa com você. Eles não vão lavar sua louça, nem ajudar a mediar qualquer desentendimento entre vocês dois.


- Ai, vó! É exatamente o que eu penso, mas eu não imaginei que a senhora fosse entender...


- Shh!! Eu ainda não terminei de falar, menina! Que falta de educação...


- Desculpa... Continua...


- Eu só tenho uma coisa mais pra te falar... Se você ainda não tiver escolhido a boate, eu sei de um bom lugar...

3 comentários:

Anônimo disse...

Ah, alguma coisa a sua avó deve ter parecida com a senhora do texto. Que massa...pena que nem avó mais tenho. Pensar em casamento então...nem de longe. Não passa pela minha cabeça.
Mas acho que quando a gente encontra a "pessoa" essas vontades começam a aparecer. Já encontrou a sua, né? Este post é muito fofo para ser impessoal.
Beijos
Sabrina

Anônimo disse...

Sei quem é essa avó. Sei quem é esse cara também.

Pat Pierro disse...

bah...
lembrei da minha avó...
:)