domingo, 25 de outubro de 2009

Dissonância

No espelho, só conseguia enxergar uma mulher comum, absolutamente nada de especial.

Em seus olhos, ela via uma mulher linda e interessante.

Infelizmente, as duas mulheres nunca se conheceram.

sábado, 24 de outubro de 2009

Minúcias

Ele logo percebeu que eram os detalhes, justo aqueles que ele nunca reparava, e pelos quais ela sempre brigava, o que ele mais sentia falta com a sua ausência.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Ignorância

Tem sempre um babaca que não sabe ficar quieto. Hoje tive que aturar um.

Estou eu subindo a escada do metrô, ouvindo meu iPod, qdo percebo um Zé falando alguma coisa comigo. Tirei um fone do ouvido para ver se era alguma coisa importante, só pra me arrepender.

O imbecil me olha com aquela cara super engajada e pergunta, olhando meu uniforme, se eu sei o que significa Krav Magá, ao que ele mesmo responde:

- É o desarmamento de palestinos indefesos pela força das elites israelenses. Muito legal, bonito isso.

Cara, como se eu fosse uma terrorista, defendendo uma causa super absurda, injusta, blablabla.

Sorri amarelo, mas o desgraçado não calava a boca. Para não perder a razão, simplesmente olhei pra cara dele e disse que falar sem saber das coisas é que era algo muito bonito.

Tem gente que deveria ter vergonha de abrir a boca. Pior ainda se achar culto.

Babaca

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Recomeço

Ela chegou em casa
Preparou o jantar
Tomou um banho
Vestiu um pijama
Trancou a porta
E se preparou
para a sua primeira noite sozinha.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Mudanças

Ela abriu a porta do apartamento pela primeira vez desde que havia pegado a chave na imobiliária. Mal conseguia contar o nervosismo diante da empreitada de morar sozinha pela primeira vez, misturada com a ansiedade em ver o espaço onde montaria sua nova vida.

Em vez do espaço vazio, no entanto, lá estavam as coisas do antigo proprietário ainda espalhadas pelo chão. Ela não se incomodava, ainda precisaria de tempo para organizar sua mudança, mas se pegou observando a bagunça alheia.

Eram caixas, roupas, sapatos, toalhas, até uma vara de pescar. E cigarros, muito cigarros, todos apagados e acumulados em cinzeiros improvisados e distribuídos por todos os cômodos da casa.

Evidências de uma vida que havia existido ali até então e daria espaço para a dela. Sem os cinzeiros, sem os cigarros. Com novos móveis, novas histórias.

Prova de que o mundo gira, a vida continua.

E ela ficaria bem.

sábado, 5 de setembro de 2009

Criancices

A menininha na van cutuca meu ombro:

- Por que você está com essa blusa?
- É um vestido.
- Por que você está de vestido?
- Porque eu estou indo a um casamento.
- Você vai casar?
- Não, é a minha amiga.
- Por que ela vai casar?

A minha resposta:

- Porque ela quer, ué.

A resposta do pai dela:

- Porque ela ama o príncipe dela.

Ela dá uma risadinha...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ventanias, portas e panelas de pressão

Cheguei em casa em meio a uma ventania, agradecendo por não ter começado a chover o tanto que todos estavam prevendo, já que estava carregando mil sacolas.

Antes de tomar banho, resolvi adiantar parte do jantar. Peguei todos os ingredientes e comecei a preparar a carne assada. Refoga, tempera, fecha a panela e fui para o banho.

Adoro banho quente depois de exercício, é uma das coisas mais relaxantes desse mundo. Qual não foi meu desespero, no entanto, ao ouvir um sonoro POOOW vindo do que imediatamente supus que fosse, é claro, a minha panela de pressão explodindo.

A verdade é que eu nunca vi uma panela de pressão explodir, então nem saberia dizer qual é o barulho que faz. Mas naquele momento, talvez pela própria Lei de Murphy, tive certeza de que só poderia ser aquela a fonte do esporro.

Enrolei-me na toalha e saí pingando pela casa num misto de pressa e vontade de nunca chegar até a minha cozinha, imaginando que o cômodo mais branco do apartamento já se encontrava num misto de molho, carne e temperos espalhados do teto ao chão, nojentamente dispostos de forma a gerar o máximo trabalho para limpar.

Cheguei na cozinha de fininho, como se não quisesse assustar ninguém, só para encontrar minha panela calmamente chiando, em seu lento processo de cozimento do meu jantar. Shhhhhhhh... Completamente diferente do maldito POOOOOOOOOOOOOOOOOW que me assustara 5 minutos antes.

Aumentei o fogo, só para garantir que eu conseguiria ouvir o sonoro chiado mesmo debaixo d'água, e tentei ignorar os estrondos provenientes de uma porta ou janela, insistentemente batendo por causa da tal ventania que anunciava a tal tempestade.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Liberdade de intrusão

As pessoas estão ficando mais abusadas, isso é um fato. Ninguém se abstém de fazer comentários a estranhos, por mais inapropriados que sejam. Eu mesma, volta e meia, me pego chamando um fulano de porco por ter jogado lixo no chão.

O interessante é que agora as pessoas estão se sentindo mais à vontade para dar lições de moral para os outros, do tipo pra fazer o lugar inteiro se concentrar na existência de um indivíduo que irá, em questão de segundos, lamentar não ter a capacidade de um avestruz, para cavar um buraco no chão e esconder a cara.

Eu já fui uma dessas vítimas, quando, outro dia, um senhor com dificuldade de fala resolveu me cutucar e perguntar se poderia me dizer um negócio. Tolinha, disse que sim. E então ele encheu a boca para dizer que eu deveria mastigar o meu chiclete com a boca mais fechada, porque era mais bonito e que ele já tinha feito muito aquilo quando era novo, blablabla. Em meio à minha vergonha, segurei a língua para não mandá-lo para aquele lugar e perguntar se tinha sido mastigar chiclete de boca aberta que tinha deixado ele falando daquele jeito. Vai que o cara teve um derrame e eu sem a tal capacidade de cavar o buraco no chão, não ia ter como fugir de uma vergonha dessa.

Engoli e fiquei quieta, mas queimando por dentro.

Ontem testemunhei a vergonha alheia.

A pobre gringa, com suas malas e Havaianas, cometeu o erro de se acomodar no banco do metrô e colocar um dos pés, descalços, sobre o banco. Com a cabeça apoiada sobre o joelho, ela conversava com a amiga em algo que eu supus ser russo, mas podia ser qualquer outra língua estranha, até Klingon.

Eu estava entre ela e uma outra mulher, que, ao levantar-se para descer em sua estação, decidiu parar para perguntar à gringa, com toda a simpatia do mundo, qual era o nome dela. Já que eu cismei que a coitada era russa, digamos, a título de ilustração, que ela tenha dito Olga.

E foi então que a mulher descarregou sobre Olga toda a sua fúria quanto ao pé sobre o banco.

- Porque aqui não é a sua casa! Na sua casa, você bota o seu pé no seu sofá! Aqui outra pessoa pode vir a sentar, não é certo você botar o pé num lugar público, em que outras pessoas sentam. E aqui não é a sua casa e nem é o seu país. Então, você tire o pé do banco!

Evidentemente, Olga a ignorou. Em parte porque não deve ter entendido picas do que a louca gritou, mas também porque achou que ela era... bem... louca! Quem é que fica gritando com estranhos assim do nada?

E eu ali, sentada, agradecendo por estar indo para casa, doida por um banho, pensando como se dizia em russo, ou em Klingon, "Desculpe, ela fugiu do Pinel. Aproveite a nossa cidade e volte sempre!".

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Pensamento do dia

"O fanatismo consiste no ato de redobrar esforços por conta de se ter esquecido dos objetivos." --- George Santayana

O fanatismo é uma contração do refinamento. O fanático redobra seus esforços para não ter que pensar e descobrir que está perdido. Quanto mais esforço, menos pensamento. O uso do esforço para compensar objetivos demonstra que o fanatismo é cego. Talvez ainda mais perverso é o fato de que o fanatismo se apresenta como uma expressão de objetivos absolutos. Esta é uma reação bastante comum no ser humano: quando ele não sabe estabelecer objetivos e crenças ele impõe objetivos e crenças a si e aos outros. É um mecanismo de defesa onde a insegurança e a dúvida são combatidas com certezas e obsessão. O fanático é um cego que não sabe que é cego.

(Rabino Nilton Bonder)

Penso, logo cogito possibilidades.

(Eu mesma, depois de ler o texto encaminhado por mamãe)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Superstição

Hoje seria aniversário da minha avó e me peguei pensando nas coisas absurdas que ela me dizia quando estava viva.

Até hoje fico tensa quando uma vassoura se arrasta perto de mim, porque ela dizia que se alguém varresse meu pé eu nunca me casaria.

Quando boto a calcinha ao contrário, sempre olho no relógio pra ver se já passou de meio-dia, porque ela dizia que se você só perceber depois de meio-dia, não tem problema.

E quando tiro uma blusa, ou um vestido, tomo cuidado para não deixar virar do avesso, porque ela dizia que a sorte toda ia embora.

Fora a bolsa, que nunca dorme aberta, pro dinheiro não fugir, mesma razão pela qual uma bolsa minha jamais será vista no chão de lugar algum.

Engraçado eu saber o quanto nada disso faz sentido, ou tem explicação, mas vai tirar da cabeça da gente as doideiras que são afirmadas com tanta convicção pelos outros? Especialmente pelos mais velhos.

E é por isso que eu tomo muito cuidado com o que eu digo perto de criança. Na pior das hipóteses, vai que ela acredita?