quarta-feira, 1 de maio de 2013

A última dose

Há um ano ele ia ao mesmo bar e sentava na mesma mesa, sempre de frente para as prateleiras de cachaças. Um ano exatamente, nem um dia a mais ou a menos.

Toda vez ele pedia a porção de pastéis, só carne, nada de queijo ou camarão. E uma dose de cachaça.

Ele já tinha experimentado todas as marcas dispostas nas prateleiras, menos uma.

Aquela não.

O garçom achava esquisito como ele sempre pedia a mesa pra dois, mas nunca chegava ninguém pra lhe fazer companhia.

Desde aquele dia, um ano atrás, Guto havia transformado sua ida ao bar em um ritual. Era por Carol que ele bebia. Sua dose de cachaça era metade reverência e metade culpa.

As duas desciam rasgando.

Era seu aniversário de namoro, o dia em que ele finalmente pediria Carol em casamento. Depois de 4 anos de namoro, ele estava pronto.

O anel era lindo, nada convencional. Como ela. Carol era tudo menos comum.

Por isso ele escolheu o bar em que brigaram pela primeira vez pra fazer o pedido. Foi depois daquela briga que ele entendeu que até discutir com ela era mais gostoso do que qualquer coisa com outra mulher.

Estava tudo combinado pras 21h. Ela saíria da galeria, do lado de casa, pra encontrá-lo lá.

Guto havia deixado uma garrafa de cachaça reservada com o dono, daquelas especiais, cheias de frescura e envelhecimentos e outras coisas complicadas que nunca fizeram sentido pra ele, mas que faziam Carol sorrir sempre que ela provava uma pinga nova.

Uma paixão herdada de seu avô, o grande amor de sua vida, um mineiro simpático que Guto nunca teve certeza se ia com a sua cara ou não.

Enfim.

Tudo estava pronto, mas Guto teve uma reunião de emergência no escritório que o atrasou 40 minutos. Ele ligou pra Carol pra avisar que demoraria um pouco, mas que ela poderia esperá-lo direto na mesa já reservada.

"Sem problemas, amor. Eu esqueci um negócio em casa, vou aproveitar que é pertinho e passo lá pra pegar. Vou pro bar em seguida. Te amo."

Foi coisa rápida, questão de segundos. Quem viu acontecer mal conseguiu explicar. Um farol alto, um barulho de pneus cantando por conta de uma manobra errada. A ambulância chegou rápido, mas não puderam fazer nada.

Guto mal conseguiu chegar ao bar, seu telefone tocou no meio do caminho.

Ela tinha ido buscar seu presente de aniversário de namoro, duas doses de cachaça personalizadas. Em uma se lia "meu", na outra se lia "teu". No bilhete, apenas uma linha. "Por todas as coisas que você aprendeu por mim. Por todas as coisas que eu entendi por você."

Dessa vez ele faria diferente.

"Amigão, quero aquela garrafa ali." Disse, apontando a única garrafa fechada, lacrada e separada de todas.

"Aquela tá reservada, senhor."

"Eu sei. É pra mim."

Guto botou os copinhos na mesa. O garçom trouxe a cachaça e ele serviu duas doses.

"Sabe, eu nunca mais me atrasei."

Ele brindou e bebeu a sua parte.

A saudade desceu queimando.

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