sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Mergulho

Muito tempo atrás, na época em que o Snoopy estampava os rótulos dos meus shampoos, minha imagem mais forte do que era ser adulto se manifestava em um produto. O shampoo de jojoba da L’Óreal. Aquele amarelinho.

Era o shampoo da minha mãe e eu ficava fantasiando sobre o dia em que eu poderia usá-lo. Seria praticamente um marco. Eu estaria deixando para trás a espuma que não ardia nos olhos para assumir cabelos longos e brilhantes e esvoaçantes, que nem os das modelos das propagandas... Que nem o da mamãe.

Cresci. Mais ou menos... Mas nunca comprei o tal shampoo. Sempre tive medo de usar e odiar. E destruir uma fantasia que cultivei com tanto carinho desde uma idade tão tenra. Testei praticamente todos da marca. Menos aquele. Menos o do rótulo amarelinho.

Engraçado que passei um bom tempo da minha vida adotando essa política do seguro. Escolhendo aquilo que fosse menos arriscado. O que pudesse dar menos errado. Perdi muito tempo. Até muito recentemente. Descobri que não dói tanto assim mergulhar de cabeça quando a vida te sugerir que pule. Quer dizer... Dói. Especialmente quando dá errado. Mas é melhor do que ficar sonhando com as diversas possibilidades do que poderia ter sido. É fantasticamente libertador deitar a cabeça no travesseiro sabendo que você ao menos tentou.

E uma vez tendo agido assim, é difícil voltar atrás. Como na já desgastada alegoria da caverna, uma vez que descobrimos que a vida não está nas sombras projetadas na parede, mas do lado de fora, é complicado se contentar com aquele teatrinho patético. Não dá pra ignorar que existe algo mais.

Sinceramente, essa visão romântica de mundo sempre me incomodou. Nunca consegui me conformar com aquela coisa do cara ficar debaixo da sacada contemplando a alvidez de sua amada sob a luz da lua, declarando a ela poemas e canções, chorando a impossibilidade de seu romance, lamentando o quão ruim seria a vida sem poder tocá-la, senti-la, beijá-la. Sem saber se seriam almas gêmeas ou se terminariam se odiando no meio do caminho...

Alimentavam-se os românticos da infinita satisfação de nunca quebrar a cara. Relacionamentos ideais, em que para sempre as mulheres seriam puras e belas. E os homens gentis e educados. Por isso também os contos de fadas terminavam em “e foram felizes para sempre”. Tenho certeza de que não fui a única a pensar como foram os casamentos da Cinderela, ou da Bela Adormecida depois das festas lindas em seus maravilhosos castelos.

Um ex-professor meu estava comentando outro dia sobre essa discussão do roteiro ideal previsível. Tomou como exemplo a tal novela em que a Alessandra Negrini faz gêmeas. E reclamou, por antecipação, o final que a história provavelmente terá. Com a má pagando seus pecados e a boazinha conseguindo tudo o que uma heroína deve ganhar no último capítulo. E descreveu o que seria, para ele, o final perfeito. Com a enjoadinha morrendo e a vilã se dando bem em cima de todo mundo, degustando caviar e tomando um drink refrescante à beira de alguma piscina...

Não sou tão radical, gosto da fantasia... Gosto de finais felizes... Mas estou aprendendo a gostar também da realidade e toda a sua simplicidade e suas complicações. Mesmo quando as coisas não dão certo. Porque a vida vale a pena pelos riscos que corremos. Não vou me arrepender de ter tentado, nunca mais...

Mas ainda não estou pronta para comprar o tal shampoo...

6 comentários:

Unknown disse...

s-e-n-s-a-c-i-o-n-a-l !

Unknown disse...

muito bom! concordo plenamente
aliás, muito bons os textos.
:)

André Aires disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André Aires disse...

Muito bom!!!!!

Pat Pierro disse...

felizes para sempre soa como "vidinha mais ou menos"... não teve nada interessante mesmo, então não vale a pena entrar em detalhes...

Anônimo disse...

Com certeza..... penso desse jeito tbm.... é maravilhoso deitar a cabeça no travesseiro e ter a sensação de paz... de saber q tentou, q fez de tudo para q desse certo.... independente do resultado.... como vc disse dói quando não dá certo... mas é ESPETACULAR a sensação q sentimos quando dá.....
É maravilhoso olhar para trás e saber q fez tudo, q não deixou a vida passar em branco, q se arriscou, q se arrependeu por ter tentado, q viveu cada segundo intensamente..... Gosto muito do filme "Cidade dos Anjos" por causa da mensagem q ele passa, o filme traduz exatamente o q vc escreveu... literalmente se jogar de cabeça.... Não só na vida amorosa, mas em tudo!
Todo final de ano paro e reflito no q fiz o ano todo q está se encerrando e faço planos de fazer tudo no próximo ano q não fiz nesse por medo ou por insegurança.... e me sinto fazia quando percebo nessa reflexão q não fiz metade do q queria e q praticamente não sai do lugar.... Por isso temos q nos jogar de cabeça para não sentir essa sensação NUNCA.....

Bjosss

Carina